RIO: DE JANEIRO A JANEIRO
A cidade do Rio de Janeiro é o
melhor exemplo que conheço, porque vivo, de como uma cidade se degrada. Por
mais de cinquenta anos assisto, dolorosamente, seu esfacelamento e sua
deterioração. E o que é pior: com a estrita colaboração do poder publico. A
cidade é agredida de todo lado. Já ouvi de um carioca:
– fazem de tudo para acabar com o Rio de Janeiro. Mas a
cidade resiste.
E como resiste. Vai longe o
ano de 1982 quando participei de uma campanha política para prefeito da cidade.
Os principais candidatos eram o ex-deputado federal Rubem Medina, então no PFL (Partido
da Frente Liberal- PFL) e o ex-senador Saturnino Braga pelo PDT (Partido
Democrático Trabalhista- PDT) do então governador Leonel Brizola. Eu estava na
campanha do primeiro. Rubem Medina não era, na época, uma das estrelas do
Congresso Nacional. Mas sempre chegou lá com votações retumbantes, expressivas.
Tinha a seu favor a história de amor pelo Rio herdada de seu pai (Abram Medina
um empresário que encarnou como ninguém o espirito aberto, acolhedor, alegre e
liberal do carioca. De sua iniciativa nasceram grandes eventos que o
consagraria como o grande empreendedor do então Estado da Guanabara) e
encarnada hoje por seu outro filho, o Roberto Medina. Esse mesmo do Rock in
Rio, cuja história merece um livro.
Roberto Medina era o chefe da
campanha. Detalhista, arrojado, cuidadoso e transformador. Dirigia a Artplan, outro
capítulo da história de amor pelo Rio da família Medina. O Roberto debruçou-se
sobre o orçamento municipal por dias e dias. Dali nasceu um plano de campanha
invejável e exequível sem ajuda de terceiros.
Lembro, entre outras
iniciativas a previsão de um posto de saúde em cada bairro. Um deslumbrante
planejamento urbano e iniciativas modernas na área de educação, na área de
lazer, de limpeza urbana, de saneamento e habitação junto a um calendário de
iniciativas turísticas articuladas com o que melhor possuíamos para gerar
empregos e renda durante todo o ano. Era algo novo e criativo. Deslanchamos a
campanha com o Rubem Medina na dianteira das pesquisas. Até que....
O adversário tinha o velho
discurso ideológico da esquerda carioca e apresentava nos debates um programa
populista de apoio à pobreza e redenção da miséria. Com o orçamento publico.
Não detalhava nada. Mas acenava como um messias, salvador, chegando nos morros
com uma tábua salvadora. Habitação para todos sem detalhar como e quanto
custaria. E teve mais: o apoio incondicional do governador Leonel Brizola. Como
decolava nas pesquisas e o adversário não o alcançava nos debates e ideias
inovadoras, Brizola, uma raposa política habilidosa e criativa entrou na
campanha como se fora ele o candidato a prefeito. Destruiu o Rubem Medina em
dias.
Mesmo com a verve do candidato a
vice-prefeito, o inigualável jornalista Sebastião Nery, oriundo das hostes
brizolistas, a campanha do Rubem Medina não se sustentou. Saturnino Braga seria
o eleito com uma vitória retumbante. Tinha como como seu vice o Jô Resende um
agitador de ruas focado no Sistema Financeiro da Habitação, SFH, o sistema de
então que financiava habitações para a classe média. Anos depois foi tragado
num escândalo. Um desses que assola a política brasileira, e desapareceu para
nunca mais.
Derrotados e desiludidos com a
escolha do carioca (Saturnino Braga é oriundo de Niterói e fez carreira
política no antigo Estado do Rio de Janeiro sob as bênçãos do ex-senador Amaral
Peixoto) a equipe de campanha se dissolveu e cada um seguiu seu rumo. Depois do
Carlos Lacerda foi a primeira grande chance que o Rio de Janeiro teve de uma
administração coerente com a história da cidade. A vitória do Saturnino Braga
sepultou uma plataforma de onde se originaria um futuro pujante para a Cidade Maravilhosa.
No meu ultimo encontro com os irmãos Medina, juntos, cunhei uma frase feita de
mal gosto. Disse aos dois:
– o Rio de Janeiro vai chorar lágrimas de sangue com a
vitória do Saturnino.
Me olharam espantados. Eu
parti e nunca mais os vi. Saturnino Braga não terminou sua gestão. Renunciou
antes do final do mandato por incompetência e toda sorte de desmandos,
falcatruas e má administração. A imagem do seu governo que ficou foi a do lixo
acumulado nas ruas fétidas que sua administração produzia.
Rubem Medina, acostumado a eleições com
votações expressivas para a Câmara Federal nunca mais repetiu esse feito. Muitos
anos depois foi Secretário de Turismo de um dos governos Cesar Maia. Mas os
tempos eram outros. A cidade era outra. E ele já não tinha o brilho de outrora.
Se retirou da política com uma votação pífia em sua despedida.
Mas seu irmão, o Roberto Medina
continua na ativa. Hoje é o homem em quem milhões de cariocas e brasileiros
veem com orgulho. Entre outras grandes realizações é o homem do Rock in Rio.
Nunca desistiu da cidade. Quem desistiu da cidade foi seus próprios moradores.
Anos depois os mesmos eleitores cariocas, junto aos da baixada fluminense,
premiaram com outra vitória retumbante o mesmo Saturnino Braga, com um mandato
de Senador pelo mesmo PDT do Estado. Vai entender essa gente.
E de lá para cá a cidade nunca
mais foi a mesma. As lágrimas de sangue escorrem por sua pobreza, pelas ruelas de
suas favelas, pelos caminhos de milhões de crianças sem futuro e pelo grito de
dor das vítimas de balas perdidas. E das balas certeiras dos assaltos. Esta
semente desastrada de um Estado caótico governado por um tipo de gente
enganadora foi plantada por Saturnino Braga e Leonel Brizola. E vingou. Nas
águas desse Rio de Janeiro corre muitas outras histórias dolorosas. Sua gente
se ilude ou é enganada a cada eleição.
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