11 de dezembro de 2017

AINDA FRANK SINATRA- O CHEFÃO ( final )



Me interessei pelas biografias do Frank Sinatra a partir do ano 2000. Estava em Chicago onde vivia uma filha. Era dia do meu aniversário e ela fez uma reserva me dizendo que eu iria adorar o lugar. Cheguei cedo. Era um lugar chique, sem sofisticação. Um senhorzinho de cabeça branca como barmen era o único habitante naquela hora. Me serviu um dry martini e continuou no que estava fazendo. Pus-me a olhar as paredes do bar. Todas decoradas com cartas e bilhetes. Emoldurados, criteriosamente datilografados, dirigiam-se a um único personagem: o dono do bar, seu amigo. Outra coisa me chamou atenção: em nenhuma das cartas havia maiúsculas. Tudo escrito em letras minúsculas. Não me perdoo por haver esquecido o nome daquele personagem e do lugar. Como não me recordo do nome nunca pude busca-lo na internet. Busquei o bar. Aparece mais de 20 lugares como preferidos do Sinatra na velha Chicago. Um deles diz o mestre Google era-lhe mais assíduo. Mas não há referencias a cartas emolduradas na parede.
Fiquei impressionado. Como um artista como Frank Sinatra encontrava tempo para escrever longas cartas (eram muitas) e saborosos bilhetes? Pelo que observei seus textos lembravam uma vida, mas os escritos estavam datados, do primeiro ao último, em pouco menos de dez anos. Aquilo provavelmente não era nada diante da quantidade de amigos que Sinatra fez na vida. Dalí para frente busquei algo mais que o cantor. E como tem…
Atribuem o aprimoramento do seu talento aos muitos anos que passou na orquestra de Tommy Dorsey como crooner. Esses anos deram aos seus ouvidos cultura e foro musical. É a dedução lógica. Sua sensibilidade musical era tamanha que fazia todo o mundo do jazz americano curvar-se a seus pés, mesmo ainda desconhecido. Diz o jornalista James Kaplan que havia algo mais: seu impressionante controle de respiração ao cantar vinha de uma vantagem anatômica na caixa torácica.
Sua legião de amigos; sua indescritível capacidade para o álcool; seu grupo de noitadas conhecidos como RAT PACK (turma do rato) sua vida perdulária; seus acessos de fúria incontroláveis; o desprezo e provocação por autoridades e jornalistas; sua arrogância e sua sexualidade voraz junto ao incomparável poder de sua voz tornavam-no um manipulador de emoções. Apesar de volátil e impaciente era capaz de grandes atos de generosidade.
O jornalista Gay Talese passou toda a sua vida tentando entrevista-lo. Jamais conseguiu.  Mas uma das melhores definições sobre Frank Sinatra parece ser a do produtor Jack Entratter ao se encontrar com seu regente Quincy Jones, como está na página 745 do volume dois:
– O que vocês fazem com o Frank? Quando ele está com o Rat Pack aqueles caras vão para a sauna às cinco e meia da manhã tomando Jack Daniel’s. Eles passam a noite toda na farra. Mas, quando vocês trabalham com ele, Frank chega 45 minutos adiantado com a partitura, uma pasta e exercícios vocais. Dá para ver que ele está preparado. Porque, apesar de tudo o que veio depois, os filmes, a TV e tudo mais, antes de qualquer coisa Frank foi um cantor de orquestra, essa é a raiz dele.
E quem não gostaria de estar no Rat Pack? Entre outros, em diferentes épocas, era composto por Dean Martin, Sammy Davis, Jerry Lewis, Peter Lawfford, humphrey Bogart . Orson Wells.
O Brasil aparece por duas vezes no segundo volume da biografia escrita por Kaplan. A primeira na página 842 quando ele rememora o famoso telefonema de Sinatra para Tom Jobim, de madrugada, de Los Angeles para o bar do Antonio’s, famoso botequim com varanda de Ipanema no ano de 1966. Era dezembro. Pouco tempo depois o maestro brasileiro estava nos estúdios na Califórnia gravando os álbuns memoráveis. São apenas duas páginas do livro. Mas a descrição do autor sobre a musica do Tom, na página 843, vale a leitura de metade do livro. São as dez linhas mais bonitas sobre a obra do Jobim que já li. A outra referencia ficou para sua apresentação no Rio de Janeiro. É considerado o maior show de sua carreira. Havia 170 mil pessoas na noite de 26 de janeiro de 1980 no Maracanã. E chovia muito.  Sinatra queria ir embora para desespero dos organizadores. Mas rendeu-se diante da ovação. Ele voltaria ao Brasil um ano depois para cantar em três noites, de 13 a 16 de janeiro de 1981 no Maksoud Plaza em São Paulo. Essa viagem não consta deste livro.
Mas há uma infinidade de histórias deliciosas. As longas e torturantes negociações para gravar Stranger’s in the Nigth que ele não queria; seus quatro casamentos, sua infindável briga com a mídia, sua relação portentosa com o misto de restauranteur e mafioso Jille Rizzo; suas bebedeiras homéricas; seu capítulo com a máfia. E muitas, muitas outras histórias que valem o livro. Aliás vale a leitura de qualquer biografia do Sinatra que você encontrar.

9 de dezembro de 2017

SINATRA-O CHEFÃO (II)

Este é o título do segundo volume da última biografia do cantor Frank Sinatra. Escrita pelo jornalista americano James Kaplan e com 1.211 páginas trata-se de uma obra prima em matéria de biografias. Lançada no Brasil pela Editora Cia das Letras em 2015 é leitura obrigatória para quem deseja entender com profundidade o que foi os Estados Unidos no Século XX. Não que o autor se arvore em sociólogo. Mas explica e prova com fatos e versões como Sinatra foi o mais significativo filho das contradições americanas do século passado. O livro mostra que ele passou por todas. Venceu todas. Mostra também como ele se tornou o maior ícone americano até nossos dias. Como diz na orelha do livro “ quando James Kaplan publicou FRANK: A VOZ, o primeiro volume de seu ambicioso projeto sobre um dos personagens centrais da cultura popular do século XX, só admiradores do artista norte-americano sabiam que estavam diante de um empreendimento majestoso”.
A história da ascensão de Frank Sinatra (1915-1998) no primeiro volume apresenta uma série de outros enredos: o nascimento da cultura de massas, a vida boemia nos cassinos e nigthclubs, o apogeu e o lento declínio do rádio, a explosão da TV e o culto à celebridade.  Nesse volume segundo Kaplan se dedica ao mito em pleno processo de entronização em “ chefão” tendo como ponto de partido sua ressureição após o Oscar ganho por seu desempenho no filme A Um Passo da Eternidade. “ Uma vida movimentada como poucas no showbiz de qualquer época: gravações de inúmeros álbuns e singles, quatro ou cinco filmes por ano, shows na TV, a fundação da própria gravadora e negócios dos mais diversificados. Surge um Sinatra cada vez implacável em suas decisões e insaciável em seus muitos apetites “ lembra o autor.
Frank Sinatra nasceu com tudo para dar errado na vida. Mesmo depois que deu certo e venceu, sua carga pesada de origem pobre e humilhante se refletiria em sua carreira e o deixaria arruinado ao final dos 40 anos de vida. Obstinado e dotado de um senso agudo para sua vida profissional consegue reerguer-se dar a volta por cima e se tornar o maior mito do showbiz mundial. Juntou num único caldeirão todo o seu talento de cantor, ator, improvisador e com muita sagacidade soube captar em que medida, onde e quando poderia usar seu talento para embevecer o publico. Aprendeu apanhando. Ao perder tudo lhe restou a voz, a possibilidade de fazer de novo e corrigir sua imensidão de erros. E assim foi.

Toda essa trajetória está muita clara e muito bem descrita no final do primeiro volume da obra de Kaplan e no começo no segundo volume. Na página 596 ficamos tendo a real importância de sua influencia. O Secretario de Imprensa da Casa Branca, Pierre Salinger ligou para ele em Palms |Springs, na Califórnia, e lhe deu em primeira mão o anuncio do bloqueio a Cuba. Um gesto que impressiona para quem havia se afastado do governo Kennedy. E é digna de atenção e nota toda a parte do livro em que o autor narra o assassinato do Presidente Kenedy. Nada indica que Sinatra esteve envolvido com o assassinato em si. Mas quanto às manobras e razões que levam ao desfecho da carreira do jovem presidente americano a narração é límpida, os fatos incontestáveis e a conclusão lógica pela leitura é digna de uma astúcia de literatura ficcionista. Os fatos estão expostos com uma propriedade assustadora. Mas Sinatra se sai bem do episódio. Quem leu ou viveu o período encontrará a resposta para aquilo que a polícia americana, por décadas, não forneceu. No livro não resta nenhuma dúvida que foi a máfia a autora do assassinato. Toda a trama está descrita em minúcias. Sua incursão pela política, primeiro foi para eleger políticos do Partido Democrata, inclusive o Presidente Kenedy. Mais tarde mudou de lado e abraçou a causa republicana ajudando a eleger seus políticos inclusive o Presidente Ronald Reagan. Se meteu com a máfia não por interesses políticos mas para colocar o pé no milionário negócio dos cassinos. Mas isso é outra história.

Ao final da leitura desse segundo volume fica-se com a convicção que o talento do Sinatra foi muito além de cantar. Triunfou nos negócios, na política, criando e moldando seu próprio nome que nunca foi FRANCIS ALBERT SINATRA. Mas morreu como tal. Ao longo da vida foi escolhendo o que mais lhe convinha para seu êxito. A partir do soerguimento de sua carreira passou a escolher seu próprio repertório, ditar como queria os arranjos musicais e quem seriam os arranjadores. Ouvia os clássicos de Bellini, Debussy, Donizeth e muitos outros de onde extraia inspirações para acrescentar nos arranjos. Criou suas empresas para distribuir seus produtos e depois vendeu-as faturando milhões de dólares.
Trata- de uma vida tão rica que merecerá mais um artigo.