Durante anos, muitos anos, ou mesmo décadas, intelectuais, literatos, músicos, compositores, jornalistas e artistas em geral louvavam o morro, as favelas cariocas, em prosa, verso, músicas, contos, crônicas e romances. O verso, a prosa e a frase versavam todos sobre a doce vida no morro. A favela era lugar de beleza; de felicidade. Diziam eles. Essa turma dava o nome a isso de lirismo. Lirismo é o cacete. Aí apareceu a turma do funk e do punk e desmistificou essa história. Seus acordes, rimas e métricas tortuosas cantam a vida como ela é. Com todo o realismo cruel que os cercam.Não conheço ninguém que se pudesse morar em outro lugar não caísse fora desse lirismo em instantes. Vá lá na Favela do Arará que faz parte do complexo de favelas da Barreira do Vasco no bairro de Bonsucesso, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Vá no Morro do Chapadão, na Pavuna. Quero ver alguém achar algum lirismo ali. É dura e cruel a vida por lá. O morador convive com a autoridade do bandido e a total ausencia do Estado. O primeiro se faz presente, o segundo nem toma conhecimento.Com o Estado ausente, a crueldade, a selvageria, a insensatez, a barbárie e a ferocidade com que os vagabundos dominam as favelas faz parecer um exército jihadista. Quem viu as cenas de carnificina na Rocinha, no começo do mês de outubro de 2017 quando traficantes de um grupo esfolavam inimigos de outra facção vai achar o Estado Islâmico moderado. Exagero meu na comparação? Lá como cá a violência e a fúria imperam. Um ser humano foi esfolado diante de uma câmera, seu coração e língua arrancados a faca e exibidos como troféu. A imagem chocante não foi mostrada pelas TVs. Mas na internet sim.Para provar que não há diferenças entre o estado islâmico e as facções de morros da cidade do Rio de Janeiro basta recorrer à leitura do livro O ESTADO ISLAMICO- DESVENDANDO O EXÉRCITO DO TERROR, Editora Seoman- 2015 e de autoria dos jornalistas Michael Weiss, americano, ex-correspondente na cidade de Aleppo, na Síria, e editor chefe da revista Foreng Policy e do nascido em Habu Kamal e hoje cidadão londrino que trabalhou para o New York Times e é Editor do jornal inglês The Guardian, Hassan Hassan. Este livro é também um excelente manual para nossas forças de segurança. Impressiona pela coragem e pelo relato minucioso dos dois jornalistas.Descrevem o Estado Islâmico como “chacinadores, selvagens, agentes do caos, formados por convertidos e jihadistas cinco estrelas especializados em extorsões e recrutamento. Através da força brutal, decapitações de reféns e selvageria chocou o mundo ”. Ora bolas, eles nunca ouviram falar nos morros cariocas. São iguais.Lá como cá se dividem em facções. Lá eles buscam um objetivo comum e aqui buscam múltiplos objetivos também com a violência gratuita através da qual passam a reinar. Lá são estimulados pela fé e cobiça. Aqui pela miséria, abandono que se manifestam em assaltos, tráfico de drogas, balas perdidas, agressões, assassinatos e astúcias que se transformam em mortes de inocentes. Lá, vários exércitos os derrotam há anos. Aqui, há décadas, apenas a força da Polícia Militar os enfrentam. E os favelados só aumentam. São prisioneiros da desgraça, como nós do asfalto. Tolo aquele que acredita que o cidadão que habita as milhares de favelas do Rio de Janeiro prefere colaborar com a polícia.
20 de outubro de 2017
Rio de Janeiro: lirismo na favela
16 de outubro de 2017
RIO DE JANEIRO DE FAVELAS
Em meados da década dos anos oitenta do século passado a cidade do Rio de Janeiro tinha 620 favelas. Esse foi o numero levantado pelo Comitê de campanha do então candidato a Prefeito, Deputado Federal Rubem Medina. No escritório central tínhamos um mapa com todas elas. Suas populações e suas necessidades. Que não eram poucas. A favela que era o xodó do candidato e onde ele pretendia tornar o cartão postal de sua administração, eleito fosse, era a Rocinha. Lá se vão 32 anos.
Da Rocinha incorporamos uma líder comunitária de nome MARIA HELENA. Baixinha, branquinha, olhos pequenos e negros, brilhavam e pareciam uma jabuticaba. Cabelos pretos escorridos pelos ombros, deveria ter seus trinta de idade. Lembro que era de uma vivacidade impressionante. Sabia tudo sobre a favela. Todo santo dia ela estava lá no escritório e sempre trazendo detalhes das necessidades de sua comunidade. Era um encanto de pessoa e com uma disposição para o trabalho invejável. Todo mundo gostava dela. Além disso foi ela quem nos ajudou a entrar nas outras favelas do Rio. Conheci todas. A que mais me impressionou foi a favela do Sapo na zona oeste da Cidade.
Nunca tinha imaginado ser possível o ser humano viver num ambiente tão degradante. Ali, num certo dia de campanha enquanto o candidato conversava com os moradores fui conhecer o “ chefão “ do lugar. Era um negro baixo, forte, atarracado e com cara de mau. Tinha nascido ali mesmo. Perguntei-lhe muito sobre a vida no local. Fiquei sabendo que aquela favela, embora pequena, era estratégica. Se guardava drogas no lugar.
De lá para cá, quase 40 anos depois, o cenário não mudou. A Cidade do Rio de Janeiro tem hoje mais de mil e duzentos favelas. Habitam esses aglomerados humanos mais de dois milhões de pessoas. A favela do Sapo cresceu muito. Hoje tem milhares de moradores e faz parte de um complexo de mais 17 favelas.
As principais são Rebú, Cavalo de Aço, Coreia, Mobral, Vila Aliança e Favela do Morro do Chapéu.Todas no bairro de Senador Camará cuja população total bate os cem mil moradores. Nunca mais voltei lá. O Socialismo moreno passou a reger a vida das favelas. Retirou-se a repressão, proibiu-se a PM de subir os morros e deu-se um livre transito para tudo. E o Estado que nunca lá esteve jamais olhou pro lugar.
Rubem Medina perdeu a eleição para o candidato Saturnino Braga. O socialismo moreno do governador Leonel Brizola venceu e deixou um rastro de pobreza, desordem e violência na cidade. Alguns anos depois li no jornal que mataram a Maria Helena. Numa briga de facções dessas que acontecem todo dia ela se foi.
O Estado brasileiro nunca foi de marcar presença para essas populações que passaram a conviver ou praticar todo tipo de marginalidade. E quando acontecem crimes a PM é obrigada a dar combate. Fica exposta a todo tipo de defensoria de direitos que o socialismo moreno deixou como legado. A violência habita esses lugares com uma crueldade alarmante.
Mas se fiquei impressionado com favela do sapo foi porque não havia ainda conhecido a favela conhecida como Barreira do Vasco, hoje uma das maiores do Rio. Naquela época havia uma entrada para uma das favelas do complexo por uma das ruas do bairro de Bonsucesso, próximo ao mercado São Sebastião, a antiga CADEG. Uma pequena ponte de tábua, um passadiço, separava os dois mundos.
Essa mesma Favela da Barreira do Vasco eu iria reencontrar alguns anos depois trabalhando em outro lugar. Os mesmos becos fétidos. Rios de lama, ratos por todas as partes infestavam as casas e os caminhos. Um cheiro horroroso de esgoto completava o quadro. E gente, muita gente, de todos os lugares, principalmente do nordeste do Brasil. Há quarenta anos o crescimento das favelas da Cidade do Rio de Janeiro era horizontal. Hoje é vertical. A favela se expandia por casas e casebres, até de papelão. Sua taxa de natalidade sempre foi maior que a do asfalto.
contribuições:
Me escreve, do Rio de Janeiro, o jornalista Aristóteles Drummond para recordar sobre o governo Negrão de Lima, a quem ele serviu como Presidente da COHAB-GB, a companhia habitacional do governo da Guanabara. Eis um resumo do seu relato:
1 - não resisto a fazer um reparo no seu excelente artigo sobre o Rio. É que você foi injusto com Negrão de Lima , que foi até maior e melhor do que o Lacerda, que merece todas suas referencias .
Lacerda começou a remover favelas, oitenta por cento da Praia do Pinto, mas Negrão com excelentes relações com Castelo, Costa e Silva e Médici fez 35 mil casas populares e removeu todas as favelas da Lagoa, como Catacumba, Pedra do Baiano; onde esta o Shopping Leblon; Macedo Sobrinho, onde tem um CIEP na Rua Humaitá; a Piraquê, ao lado do Clube e ao longo do muro do Jockey e da pista conhecida até então como Belém-Brasília . E eu com 24 anos fui o diretor da COHAB a fazer estas mudanças. Até meus 25 anos exerci a Presidência da COHAB-GB. Por falta de sorte do Rio, 18 mil das 35 mil casas ficaram prontas no governo Chagas Freitas que optou por parar com as remoções e distribuir as casas para apadrinhados do bloco político Chagas Freitas que eram muitos.
Lacerda começou a remover favelas, oitenta por cento da Praia do Pinto, mas Negrão com excelentes relações com Castelo, Costa e Silva e Médici fez 35 mil casas populares e removeu todas as favelas da Lagoa, como Catacumba, Pedra do Baiano; onde esta o Shopping Leblon; Macedo Sobrinho, onde tem um CIEP na Rua Humaitá; a Piraquê, ao lado do Clube e ao longo do muro do Jockey e da pista conhecida até então como Belém-Brasília . E eu com 24 anos fui o diretor da COHAB a fazer estas mudanças. Até meus 25 anos exerci a Presidência da COHAB-GB. Por falta de sorte do Rio, 18 mil das 35 mil casas ficaram prontas no governo Chagas Freitas que optou por parar com as remoções e distribuir as casas para apadrinhados do bloco político Chagas Freitas que eram muitos.
E a Avenida Atlântica? Quem teve peito de alargar, com o Lacerda dizendo que o mar iria buscar tudo de volta? E os acessos a Barra da Tijuca -Zuzu Angel, Lagoa -Barra e os elevados? Só não quis brigar com a PUC e a passagem atual foi o Chagas Freitas que fez.
E a segunda fase do Guandu, que ele continuou e manteve a equipe do Lacerda? E a recuperação do BEG ( Banco do Estado da Guanabara) entregue ao Dr Bulhões (Otávio Gouveia de Bulhões) que colocou lá o Carlos Alberto Vieira. Um garoto.
Apoiado pelas esquerdas sim, mas governou com a direita. Quem era secretario forte? Nosso - da direita - saudoso Cotrim Neto, jurista de direita e integralista sempre, Carlos Costa, sobrinho do Adroaldo Costa, Procurador Geral do Costa e Silva; o presidente da Assembleia Legislativa Augusto do Amaral Peixoto. O Negrão foi hábil, era cordial, amigo do Clube dos Repórteres Políticos e por aí vai."
2- De Brasília e Campo Grande, Mato Grosso do Sul me escrevem os jornalistas Cezar Motta e Carlos Eduardo Bortolot, o querido Cadú. Ambos, nessa ordem, me corrigem na data da campanha de prefeito em que o ex-deputado Rubem Medina foi candidato: foi em 1985 e não 1982 como escrevi.
3- E todos eles, inclusive o grande médico carioca Pedro Henrique Paiva me escreve e me recorda a grande frase com o que o humorista Millôr Fernandes brindou o fim da desastrada administração do socialismo moreno.
3 de outubro de 2017
RIO: DE JANEIRO A JANEIRO
A cidade do Rio de Janeiro é o
melhor exemplo que conheço, porque vivo, de como uma cidade se degrada. Por
mais de cinquenta anos assisto, dolorosamente, seu esfacelamento e sua
deterioração. E o que é pior: com a estrita colaboração do poder publico. A
cidade é agredida de todo lado. Já ouvi de um carioca:
– fazem de tudo para acabar com o Rio de Janeiro. Mas a
cidade resiste.
E como resiste. Vai longe o
ano de 1982 quando participei de uma campanha política para prefeito da cidade.
Os principais candidatos eram o ex-deputado federal Rubem Medina, então no PFL (Partido
da Frente Liberal- PFL) e o ex-senador Saturnino Braga pelo PDT (Partido
Democrático Trabalhista- PDT) do então governador Leonel Brizola. Eu estava na
campanha do primeiro. Rubem Medina não era, na época, uma das estrelas do
Congresso Nacional. Mas sempre chegou lá com votações retumbantes, expressivas.
Tinha a seu favor a história de amor pelo Rio herdada de seu pai (Abram Medina
um empresário que encarnou como ninguém o espirito aberto, acolhedor, alegre e
liberal do carioca. De sua iniciativa nasceram grandes eventos que o
consagraria como o grande empreendedor do então Estado da Guanabara) e
encarnada hoje por seu outro filho, o Roberto Medina. Esse mesmo do Rock in
Rio, cuja história merece um livro.
Roberto Medina era o chefe da
campanha. Detalhista, arrojado, cuidadoso e transformador. Dirigia a Artplan, outro
capítulo da história de amor pelo Rio da família Medina. O Roberto debruçou-se
sobre o orçamento municipal por dias e dias. Dali nasceu um plano de campanha
invejável e exequível sem ajuda de terceiros.
Lembro, entre outras
iniciativas a previsão de um posto de saúde em cada bairro. Um deslumbrante
planejamento urbano e iniciativas modernas na área de educação, na área de
lazer, de limpeza urbana, de saneamento e habitação junto a um calendário de
iniciativas turísticas articuladas com o que melhor possuíamos para gerar
empregos e renda durante todo o ano. Era algo novo e criativo. Deslanchamos a
campanha com o Rubem Medina na dianteira das pesquisas. Até que....
O adversário tinha o velho
discurso ideológico da esquerda carioca e apresentava nos debates um programa
populista de apoio à pobreza e redenção da miséria. Com o orçamento publico.
Não detalhava nada. Mas acenava como um messias, salvador, chegando nos morros
com uma tábua salvadora. Habitação para todos sem detalhar como e quanto
custaria. E teve mais: o apoio incondicional do governador Leonel Brizola. Como
decolava nas pesquisas e o adversário não o alcançava nos debates e ideias
inovadoras, Brizola, uma raposa política habilidosa e criativa entrou na
campanha como se fora ele o candidato a prefeito. Destruiu o Rubem Medina em
dias.
Mesmo com a verve do candidato a
vice-prefeito, o inigualável jornalista Sebastião Nery, oriundo das hostes
brizolistas, a campanha do Rubem Medina não se sustentou. Saturnino Braga seria
o eleito com uma vitória retumbante. Tinha como como seu vice o Jô Resende um
agitador de ruas focado no Sistema Financeiro da Habitação, SFH, o sistema de
então que financiava habitações para a classe média. Anos depois foi tragado
num escândalo. Um desses que assola a política brasileira, e desapareceu para
nunca mais.
Derrotados e desiludidos com a
escolha do carioca (Saturnino Braga é oriundo de Niterói e fez carreira
política no antigo Estado do Rio de Janeiro sob as bênçãos do ex-senador Amaral
Peixoto) a equipe de campanha se dissolveu e cada um seguiu seu rumo. Depois do
Carlos Lacerda foi a primeira grande chance que o Rio de Janeiro teve de uma
administração coerente com a história da cidade. A vitória do Saturnino Braga
sepultou uma plataforma de onde se originaria um futuro pujante para a Cidade Maravilhosa.
No meu ultimo encontro com os irmãos Medina, juntos, cunhei uma frase feita de
mal gosto. Disse aos dois:
– o Rio de Janeiro vai chorar lágrimas de sangue com a
vitória do Saturnino.
Me olharam espantados. Eu
parti e nunca mais os vi. Saturnino Braga não terminou sua gestão. Renunciou
antes do final do mandato por incompetência e toda sorte de desmandos,
falcatruas e má administração. A imagem do seu governo que ficou foi a do lixo
acumulado nas ruas fétidas que sua administração produzia.
Rubem Medina, acostumado a eleições com
votações expressivas para a Câmara Federal nunca mais repetiu esse feito. Muitos
anos depois foi Secretário de Turismo de um dos governos Cesar Maia. Mas os
tempos eram outros. A cidade era outra. E ele já não tinha o brilho de outrora.
Se retirou da política com uma votação pífia em sua despedida.
Mas seu irmão, o Roberto Medina
continua na ativa. Hoje é o homem em quem milhões de cariocas e brasileiros
veem com orgulho. Entre outras grandes realizações é o homem do Rock in Rio.
Nunca desistiu da cidade. Quem desistiu da cidade foi seus próprios moradores.
Anos depois os mesmos eleitores cariocas, junto aos da baixada fluminense,
premiaram com outra vitória retumbante o mesmo Saturnino Braga, com um mandato
de Senador pelo mesmo PDT do Estado. Vai entender essa gente.
E de lá para cá a cidade nunca
mais foi a mesma. As lágrimas de sangue escorrem por sua pobreza, pelas ruelas de
suas favelas, pelos caminhos de milhões de crianças sem futuro e pelo grito de
dor das vítimas de balas perdidas. E das balas certeiras dos assaltos. Esta
semente desastrada de um Estado caótico governado por um tipo de gente
enganadora foi plantada por Saturnino Braga e Leonel Brizola. E vingou. Nas
águas desse Rio de Janeiro corre muitas outras histórias dolorosas. Sua gente
se ilude ou é enganada a cada eleição.
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