31 de outubro de 2012

UMA LEI PARA A INTERNET NO BRASIL (V)

O Brasil sempre foi e é um país onde o poder se aloja nas minorias. Antes eram nas elites culturais e financeiras. Hoje, também nas minorias barulhentas. Isso quando há interesse ideológico. Quando não, nem assim. A Câmara Federal voltou a discutir na semana de 20 de setembro de 2012 o Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da Internet. E nesta mesma semana a única manifestação publica que se conheceu sobre o assunto foi uma carta aberta, de apoio ao Projeto, emitida e assinada pelos presidentes dos sites Google, Facebook e Mercado Livre. Os dois primeiros da lista formam quase um oligopólio e o terceiro provavelmente é um mero apêndice dos dois. Existem muitos outros sites, gigantes de mercado, que não assinam o manifesto e prestam bons serviços.

O caso do Google e Facebook é diferente. O primeiro como site de buscas e o segundo como rede social formam a dupla mais forte do mercado tanto em acessos como em faturamento. E em problemas também. Na carta, onde elogiam e soltam loas às autoridades legislativas, eles dizem no capítulo de numero dois:

-Objeto de ampla consulta pública: indagou-se à comunidade de usuários, empresas, sociedade civil e ao público em geral quais temas deveriam fazer parte de um marco regulatório civil para a Internet no Brasil e, com apoio nessas contribuições, um texto-base do projeto de lei foi apresentado à sociedade e submetido à consulta aberta, resultando em centenas de contribuições e manifestações – todas elas publicadas online no endereço http://culturadigital.br/marcocivil.

E soltam fogos de artifícios em várias linhas quando realçam, efusivos, ressalvas que identificaram na Lei e onde se livram de grandes responsabilidades inclusive aquelas que até causam danos às pessoas como veremos mais à frente.

No capitulo de numero três da carta aberta ressaltam:

-Garantia dos direitos dos usuários: 

(a) O Marco Civil assegura diversos direitos aos usuários da Internet, destacando-se a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações pela Internet, salvo por ordem judicial; (esse aspecto aqui nem precisava de lei específica. Está na Constituição e é direito sagrado)

(b) a não suspensão da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; a manutenção da qualidade contratada da conexão à Internet; informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços.

(c) esse outro aspecto também não precisa de Lei específica. O simples contrato entre as partes com clausulas definidas é o suficiente para que sejam respeitadas e levadas a juízo com base nos códigos de leis vigentes.

(d) previsão expressa sobre o regime de proteção aos seus dados pessoais, aos Registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet; não fornecimento a terceiros de seus registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento ou nas hipóteses previstas em lei.

Até aqui tudo bem. O provedor é sabedor de todos os seus hábitos, necessidades, interesses e curiosidades. E não pode usar esses dados a menos que seja com o consentimento do usuário. Também esse direito está consagrado em leis ordinárias e na própria Constituição no capítulo da Inviolabilidade da privacidade.

Aqui é que a porca torce o rabo. O sujeito invade o site do Google ou Facebook, ou outro qualquer, denigre a sua imagem com falsidades e impropérios. Você comunica ao Site o que está acontecendo e pede para que tomem uma providência. O Site se limita apenas a lhe comunicar que alguém invadiu sua conta através de um determinado numero de endereço de IP (a identificação do computador) e que você troque de senha. Por este numero você consegue chegar através de sites do exterior ao local onde está instalado o computador invasor usado pelo craker. Você reúne as provas e envia para o Site. E este lhe comunica que lamentavelmente nada pode fazer porque são milhões de usuários por dia a reclamarem e eles não podem dar conta da demanda. Com isso eles protegem a identidade e localização do invasor, e permanece no ar tudo o que você identificou como ofensivo à sua honra. Você busca uma Delegacia do crime digital e registra uma queixa. Como não há uma lei específica para este tipo de crime a autoridade policial se limita a realizar o registro de ocorrência como MEDIDA ASSECUTÒRIA DE DIREITO FUTURO, como foi no meu caso pessoal. De posse deste documento você procura um advogado e aciona um processo na justiça. E espera que um juiz acolha a sua causa e determine as medidas para reparar os danos. É bem verdade que todos os reclamantes até aqui obtiveram êxitos. Mas é um longo caminho que a Lei poderia abreviar obrigando os provedores e sites a atenderem, imediatamente, a reclamação do usuário sob pena de violação da própria Lei. Isso eles não querem de jeito nenhum. E não querem pelas razões já expostas por que contempla aumento de custos no monitoramento.

Informações publicadas pelo site americano Bussines Insider e reproduzidas no Brasil pelo site G1 e pelo Adnews em três de agosto de 2012 dão conta de que “a rede social Facebook possui cerca de 83 milhões de contas falsas, segundo levantamento realizado pela própria empresa. Desse total, segundo a empresa, 4,8 por cento são contas duplicadas, 2,4 por cento são de empresas e organização e de bichos de estimação e 1,5 por cento são spams”. O Facebook informou ainda, na mesma matéria que bane diariamente pelo menos 20 mil contas, além de estimar que 600 mil estejam comprometidas por roubo de senhas e outros problemas.

E os donos desse novo negócio não querem se responsabilizar por isso. Querem jogar a responsabilidade nas costas do internauta correto e nos corredores da justiça. A Lei deveria especificar bem esses casos. Facilitaria a vida de todo mundo.

Mas eles conseguiram mais:
Conseguiram que fosse inserida na Lei a seguinte redação:

Salvaguardas de responsabilidade.

O Marco Civil estabelece que provedores de aplicações na Internet não sejam responsáveis pelo conteúdo publicado por seus usuários, modelo regulatório que é igualmente adotado em todo o mundo, com destaque para os Estados Unidos e a Europa. Diversos fatores econômicos, sociais e jurídicos justificam a isenção de responsabilidade para provedores, pois do contrário haveria retração do uso de ferramentas e plataformas online, com prejuízos diretos aos usuários. Abaixo destacamos, sinteticamente, alguns desses fatores enumerados na nota de apoio:

a) Provedores de serviços na Internet têm uma importante função social. Serviços e plataformas online transformaram o cenário social e político, facilitando a comunicação e o acesso ao governo e criando novas possibilidades de interação, organização e mobilização social, na maioria dos casos por meio de serviços e plataformas gratuitos ou de baixo custo. As recentes reformas políticas e a queda de regimes totalitários em diversos países do mundo, parcialmente facilitadas pelo uso de ferramentas online, evidenciam o potencial democratizante da Internet.

Perfeitamente dispensável esses elogios ao setor. Seria melhor que a Lei estabelecesse que serviços de plataformas on line devessem exibir no mesmo conteúdo todos os dados sobre a responsabilidade dos mesmos. Telefones, endereços e nomes dos responsáveis deveriam ser obrigatórios. Hoje, do jeito que está o internauta tem apenas o email para a comunicação, e mais nada.

Em outro capítulo a Carta Aberta contempla com euforia a existência dos que a assinam pelo seu próprio jeito se ser:

A proteção dos provedores promove a liberdade de expressão, o acesso à informação, à educação e à cultura. A Internet possibilita que pessoas expressem suas opiniões sem interferências, recebendo e compartilhando informações livremente, promovendo a integração regional, nacional e internacional, além da inclusão social e o rompimento de barreiras socioeconomicas. O conteúdo gerado por usuários e disponibilizado por meio de serviços e plataformas oferecidas pelos provedores representa, hoje, uma das principais formas de expressão, fomentando o pensamento crítico e o estabelecimento de novas comunidades. Se há riscos na publicação das opiniões, há responsabilidades também, e deveria existir uma Lei para exigir o fechamento de espaços para opiniões ofensivas e desativar as respectivas ferramentas que possibilitam blasfêmias . Todo o potencial desses espaços e dessas ferramentas é desperdiçado, invertendo-se a lógica de que a Internet é uma das maiores conquistas tecnológicas para a opinião livre e sem censura, da humanidade, para presumir, perigosa e falsamente, que ela apenas serve para a prática de atos ilícitos.

Ora, ora, a Lei não deveria forçar provedores a fecharem espaços ou desativar ferramentas que viabilizam as múltiplas formas de atividade da Rede, é verdade. A lei deveria ser específica nas regras e nas punições das empresas de internet que não quer de forma alguma se responsabilizar pelos conteúdos difamatórios que são postados. E mais: ignoram completamente os apelos daqueles que são atingidos por comentários maldosos, mentirosos, infames, caluniosos e destruidores como veremos depois. Os sites não querem se responsabilizar pelas razões já expostas anteriormente. Eles só desejam assumir a responsabilidade sobre a retirada do conteúdo ofensivo após a expedição de uma determinação judicial. Determinações judiciais não saem na mesma velocidade com que são postadas as infâmias. E quem não pode arcar com os custos em busca de uma solução dessas, como faz? Estando explicito na Lei as responsabilidades facilitará à autoridade policial uma diligência sem custos para o ofendido.

E a Carta Aberta também é um corolário de elogios, merecidos, á internet, mas esconde descaradamente a fuga dos provedores em querer assumirem responsabilidades, como se observa nos itens cinco e seis:

(5) Remoção voluntária ou judicial de conteúdo:

-é fundamental entender que o Marco Civil não diz que remoção de conteúdo somente pode ocorrer por força de ordem judicial. O texto afirma que o provedor pode ser responsabilizado em caso de descumprimento de ordem judicial de remoção forçada de conteúdo e não que a remoção de conteúdo somente pode ocorrer por ordem judicial. Cada provedor continua livre para programar as políticas que entender pertinentes para remoção voluntária de conteúdo.

Aqui, expressamente, eles se eximem quando Crackers invadem seus domínios e enxovalham a reputação de um monte de gente. Mesmo que o agredido tenha em mão todas as provas, eles só desejam retirar o conteúdo se for a partir de uma ordem judicial. Para vir a ordem judicial você terá um longo caminho a percorrer na justiça e pode ser que quando a solução chegar o crime já tenha conseguido todos os seus efeitos maléficos.

No capítulo de número seis eles frisam:

Combate efetivo a crimes e atos ilícitos online:

o Marco Civil permite que crimes e atos ilícitos praticados por meio da Internet sejam investigados e punidos com efetividade e de acordo com o devido processo legal, estabelecendo um sistema equilibrado de preservação de dados e de registros de conexão e de acesso que possibilita a obtenção de provas válidas e a proteção da privacidade, com exigência de ordem judicial para a revelação de dados dos usuários para fins de investigação.

Chega a ser maquiavélica essa argumentação. Ao mesmo tempo em que admitem a possibilidade de atuação criminosa na Rede se excluem da responsabilidade das postagens e ainda preservam a identidade e localização do computador invasor. E se o criminoso atuou à partir de uma Lan House? Quando a ordem judicial chegar nem a loja existirá mais e o computador poderá ter sido desmontado. E o crime estará impune.

Até pouco tempo para você usar computadores nas lan houses instaladas nos aeroportos brasileiros era obrigatória a apresentação da carteira de identidade e outros dados pessoais. Hoje não lhe pedem mais nada. É um bom lugar para postagens apócrifas.

É por essas e outras que uma pesquisa publicada pelo site www.mashable.com

E realizada pela empresa Harris Interactive, dos Estados Unidos, aponta que 98 por cento de 1.900 entrevistados desconfiam da veracidade do conteúdo que encontram no ambiente online. Para 94 por cento deles essa impressão negativa ocasiona perda de tempo, desperdício de dinheiro e riscos de fraudes e vírus. Outras questões foram também condenadas, tais como excesso de propaganda e fóruns e sites desconhecidos e não identificados.

A internet, também entre nós, por este Marco Civil do jeito que está, continuará a ser uma floresta virgem, sem limites, sem fronteiras e sujeita a toda sorte de tempestades e relâmpagos.