30 de novembro de 2017

FRANK SINATRA- A VOZ (01)

  • Não é uma biografia qualquer. Trata-se da história, e que história, daquele que é considerado o maior personagem do Século XX. E a obra pode estar no pódio das grandes biografias contemporâneas. Soberbo é o trabalho do Jornalista americano James Kaplan nos dois alentados volumes sobre a vida do mito Frank Sinatra. Lançados no Brasil em 2013 pela Editora Companhia das Letras (www.companhiadasletras.com.br) o primeiro volume intitulado A VOZ com 747 páginas. Vai do seu nascimento em 1915 no subúrbio nova-iorquino de Hoboque, New Jersey, até 1953 quando ele ganha o Oscar por seu desempenho no filme A Um Passo da Eternidade, interpretando o soldado Ângelo Maggio. O segundo volume (SINATRA- O CHEFÀO) mais denso e volumoso, aborda a última parte da existência do mito e vai até o ano de sua morte em 1998.
Não é um livro qualquer. São dois alentados volumes, para não dizer calhamaços. A precisão dos fatos, o teor da narrativa, o volume e a minuciosidade das pesquisas se agregam a um texto soberbo difícil de encontrar. Nada se compara em termos de qualidade e precisão em biografias do show business.  Essa obra coloca o jornalista James Kaplan no mesmo nível do pesquisador e historiador britânico Simon Sebag Montefiore, o maior historiador das últimas décadas. Kaplan revela que Sinatra foi o ser humano mais historiado dos tempos modernos. A decisão de escrever a obra ele tomou em 2004 num jantar, em Santa Mônica, na Califórnia, quando estava à mesa num grupo que todos haviam conhecido Sinatra. Todos contavam histórias sobre Sinatra que de repente lhe pareceu vivo. Na recordação dos convivas daquela noite “ havia uma visão de Sinatra como homem e artista, sem as armadilhas e os ouropéis da celebridade”. Sinatra não estava mais vivo fazia seis anos. A audácia e pertinência de Kaplan resultou numa biografia inesquecível, tal qual a vida do biografado. Em suas próprias palavras:
Ali estava um gênio e um grande artista, um homem que havia mudado – moldado- o Século XX e eu lhe devia o que ele merecia.
Não só você Kaplan. Todo o Século XX.
Ao mergulhar nas páginas desse primeiro volume o leitor descobrirá que Sinatra sempre soube o que lhe convinha, artisticamente. Na primeira parte da sua vida foi um elemento subversivo que sempre tentou minar os Estados Unidos. Seu passado de delinquente sexual, conexão com a Máfia, fuga do Serviço Militar, seu cabelo oleoso e o sobrenome italiano foi o combustível para asfaltar a estrada. No começo a América lhe tinha preconceito e desprezo. Apesar disso a audácia, a intuição e o talento fizeram a grande diferença. A descrição do autor sobre o fascínio do cantor por gângsteres, simplificavam suas complexidades e seus problemas físicos. Mas descobre-se um personagem também tolerante ao longo dos seus 83 anos de vida.
Apesar da primeira parte de sua vida ter sido extremamente trágica, desde o nascimento em Hoboquem, subúrbio de New Jersey onde a mãe era aborteira, passando por duas tentativas de suicídio, um casamento frustrado e uma desesperada paixão pela atriz Ava Gardner, o primeiro volume também é divertido. E insinuante. Onde quer que fosse sempre foi um revoltado pela forma como os negros eram desprezados e excluídos pela sociedade americana. Dedicou-se desesperadamente à leitura para entender e expressar esse pensamento. Até que lhe aparece na vida um jornalista, George Evans, lá pelos anos 40 do Século passado. Muda-lhe os hábitos e a vida. Evans se foi cedo levado por um ataque cardíaco. Mas cunhou a melhor definição sobre o mito:
Frank nasceu para ser astro. Mas também nasceu para ser uma figura controversa, e astro e figura controversa ele vai permanecer até o dia em que morrer.
Para complementar o autor agrega a esta frase uma magistral definição: … toda a vida de Frank parecia basear-se na acumulação e liberação de tensão. Quando a liberação vinha na forma de canto, era lindo; quando tomava a forma de fúria, era terrível. Trabalhar duro e cantar sem parar, noite a dentro, nunca fez mal a ele. Sua ambição era titânica. Sua disciplina incomparável.
Pois imagine alguém que entrava num palco as 10 horas da manhã e a cada duas horas repetia o show até as duas horas da madrugada. Assim foi seu começo e assim seria toda a sua vida. Imagine o Sinatra andando de ônibus e trem como crooner de orquestras. O Sinatra que não aceitava a solidão e vivia cercado de amigos. O Sinatra generoso. O filho do Jornalista George Evans ficou na sua folha de pagamento até sua morte. O Sinatra que tinha sempre um número em seus programas e shows com gente de cor. E os remunerava bem. O Sinatra atormentado pela paixão num casamento rumoroso com a atriz Ava Gardner. Todas as suas facetas desfilam pelas páginas mais como uma epopeia humana que simplesmente a vida de um artista.
A leitura nos leva a uma conclusão. Frank Sinatra personificou como ninguém as mudanças sociais e raciais dos Estados Unidos no Século XX. Essa atmosfera permeia toda a sua vida e está bem retratada nos dois volumes. A narrativa de como ele vai ao fundo do poço com a carreira arruinada próximo aos 40 anos para emergir com força total em 1953 é um primor. Sua careca, seus olhos azuis, sua estatura baixa e sua voz marcaria o Século XX como nenhum outro.
Histórias saborosas, dolorosas, criativas, de amizades, de fúria e solidão tinham parcerias com ele. Ao final da primeira fase de sua vida, comecinho de 1950 um comentário maldoso, uma piada de mal gosto sobre a amante do Samuel B. de Mayer, um dos quatro fundadores da Metro, levou-lhe o último emprego e trouxe-lhe a rua. Seria o fim. Todos acreditaram. O que levou seu agente Irwin Lazar a dizer:
- Ele morreu. Acabou. Nem Jesus Cristo conseguiria ressuscitá-lo nesta idade.
Sinatra estava próximo aos 40 anos de idade. Claro que ele não pensava assim. E só ele mesmo foi capaz de reergue-se.


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