OS ROMANOV, A RÚSSIA E NÓS
Uma nação não se desestrutura da noite para o dia. Esse processo pode levar anos, décadas. Um sistema de governo ou regime político não são destituídos de um dia para o outro. Nem mesmo as ditaduras desabam sem aviso prévio com a morte ou destituição de seus caudilhos. Abruptas revoluções apodrecem por anos no meio social antes de explodirem. Todos os sistemas de governo quando desabam, são antecedidos por um longo período de esgarçamento. Com a Rússia czarista não foi diferente. Mais próximo de nós temos o exemplo da Venezuela e Hugo Chaves.
O líder sim , pode surgir de repente . Mas o processo que o instala no Poder vem de longe. Se o exemplo próximo de nós não é suficiente leiam OS ROMANOV. A história da dinastia que reinou na Rússia de 1613 a 1918 está magistralmente descrita nessa obra. Com 905 páginas foi lançada pela editora Cia das Letras – e o autor é o inglês Simon Sebag Montefiore. Nas livrarias ou pela Internet. Denso, minucioso, informativo quanto a datas e acontecimentos, os fatos são narrados com precisão histórica e rigor literário. Sem a moda da biografia histórica romanceada. Esta, uma maneira de falsificar a realidade.
Montefiore é hoje, seguramente, o mais importante historiador contemporâneo. A seu favor, entre nós, já circula de sua autoria Stálin o Czar Vermelho, O Jovem Stálin e Jerusalém, uma Biografia. Todos lançados pela Cia das Letras. Agora Os Romanov. Todas essas obras, historiográficas, estão amplamente amparadas em extensas e profundas pesquisas que levam o leitor a mergulhos incomparáveis na história de nossa civilização do ponto de vista biográfico, político e social.
Esse respeitável professor de história ao escrever sobre a dinastia russa demonstra com clareza que o sistema político de uma nação se esfacela por fatores diversos ao longo de décadas. Ontem, como hoje, a incompetência, alianças espúrias para perpetuar o status-quo, interesses oligárquicos, burocracia asfixiante, situação econômica e miopia política vão cozinhando a realidade por décadas. Às vezes com sangue. Outras vezes por acontecimentos fortuitos. O aparecimento do voto veio para apaziguar e mudar esses status, sem derramamento de sangue. Mesmo assim, às vezes, nem o voto salva uma nação da tragédia. Vide a Venezuela. Até que um dia a casa cai. Lênin ainda não havia nascido e czares já eram mortos nas ruas de São Petersburgo.
A extensa biografia dos Romanov começa no Século XVI e termina no começo do Século XX tendo como último Imperador o Czar Nicolau II que abdicou pouco antes da revolução de outubro de 1917 em favor do seu filho Alexei. Ma a este coube apenas entregar as chaves da história russa para os revolucionários no seu breve período de governo. Em mais de 300 anos de reinado a família anexou ao Império o equivalente a 140 quilômetros de terras por dia. Um mergulho amplo e profundo na história da Rússia sem nenhum romanceamento. Apenas fatos. Se o leitor, por acaso, possuir informações sobre a formação do mundo a partir do século XV e particularmente da Europa a partir da Renascença, a leitura se tornará mais significativa.
No livro ficamos sabendo também que os Romanov foram poderosos não só pela Rússia. Foram também por seus laços familiares com a nobreza europeia. Membros da família sobreviveram à revolução de 1917 e ainda hoje existem descendentes. Personagens importantes da elite russa pré 1917 também sobreviveram aos expurgos do exército vermelho. Muitos dos profissionais militares foram incorporados às suas fileiras, outros ajudaram a montar o esteio econômico do novo regime e outros tantos fugiram. O livro é um mergulho profundo na história da Rússia e uma evidência de que o estilo czarista não morreu. Sobreviveu com Lênin e Stálin e muito da Rússia dos czares sobrevive sob as asas do governo Putin. Muita coisa é igual ou muito parecida.
Ao escrever este artigo pela primeira vez meu desejo era ater-me exclusivamente aos fatos do livro do Montefiore. Assim o fiz e cheguei a publica-lo, na primeira versão em alguns sites que colaboro. Pouco tempo depois eis que me encontro em Lisboa, Portugal, num restaurante, e dou de cara com uma respeitável e experiente jornalista que por muitos anos foi correspondente internacional do grupo Globo. Trabalhamos juntos.
Nos anos 70 do Século passado foi ela a responsável por me fazer interessado em política internacional numa conversa sobre a " distensão " entre Estados Unidos e China quando o Henry Kissinger despontava como o grande negociador do mundo da guerra fria no então governo Nixon. Naquela conversa ela despertou meu interesse por um sujeito chamado METTERNICH, um chanceler austríaco do Século XIX e que negociara as fronteiras de paz entre a Rússia czarista e diversos outros países, europeus, inclusive a Alemanha. Tratava-se de um nobre excêntrico, dono de um vigor intelectual invejável e altamente relacionado com a nobreza europeia de então. Suas negociações e seu tratado de paz fizeram história. Tanto é que veio a merecer uma notável biografia escrita por ninguém menos que o próprio Kissinger lançada no Brasil pela editora Record. Ao que tudo indica nele se inspirou e o fez seu ícone em suas negociações de paz e tarefas internacionais mundo a fora. Metternich também escreveu uma autobiografia: ( Metternich: The Autobiography, 1773-1815 ) não lançada no Brasil.
Essa narrativa se faz necessária pois o meu encontro com a destacada Jornalista foi rápido e fugaz na porta do restaurante lisboeta. Entre reminiscências e notícias de nosso presente a conversa resvalou para a situação política do Brasil atual. Ela, pessimista, como eu, arrematou dizendo que tinha esperanças, mas achava muito difícil. Contradisse com o argumento de que a taxa de natalidade na base da pirâmide social brasileira era cruel e estarrecedora. Além das quase tres milhões de crianças fora da escola, nascem no Brasil, por ano, o equivalente à população do Uruguai, cerca de tres milhões de pessoas. No topo da pirâmide social brasileira a taxa de natalidade é igual a da Noruega. Mas na base é igual à da Etiópia. E são crianças que crescerão sem escolas, sem saúde, sem saneamento básico, sem nada. O destino lhes reserva apenas a marginalidade.
Disse-lhe mais: que a nossa situação atual lembrava muito a da Rússia pré 1917, antes dos bolcheviques chegarem ao Poder. Ela duvidou com um “sei não, somos um povo muito desorganizado”. O encontro terminou aí. Nos despedimos. Não tive tempo de contradize-la. Aquela Rússia czarista, bolchevique, era muito mais desorganizada que o Brasil atual. Enquanto sua economia era a mais forte da Europa de então, seu sistema de governo estava exaurido. Nos últimos anos do reinado Czar Nicolau II a aristocracia tentou de tudo para salvar o regime, porém , tentando, sempre, manter seus privilégios tais como os nossos ” coronéis”. O esforço foi tamanho que culminou na abdicação do Czar Nicolau II em favor do seu filho Alexei. A desorganização era tamanha que não restou outra solução senão a renuncia do Czar Alexei e o consequente governo provisório chefiado pelo Kerensky. Ao mesmo tempo nada era mais desorganizado que as forças de oposição. O povo morria de fome ou por consequência da guerra civil instalada.
Enquanto mencheviques e bolcheviques não chegavam a um acordo o regime se esfacelava. Restou apenas aos mais espertos gritarem mais alto e assumirem o comando da nação. E por acaso Lênin estava no comando de uma grande turba que de organizada nada tinha. Eram tão desorganizados que o próprio Lênin chegou a ser assaltado nas ruas de Moscou, junto com sua mulher Krupskaya, e num carro oficial, logo nos seus primeiros dias de governo, conforme consta em sua biografia escrita pelo inglês, professor da Universidade de Oxford, Robert Service ( LÊNIN A BIOGRAFIA DEFINITIVA- 630 páginas) lançada no Brasil pela Editora Difel no ano de 2006. E ele se identificou dizendo quem era. Nada disso fez os ladrões desistirem de fazer a limpa. Mas o deixaram com vida.
A história não se repete. Nem como farsa nem como tragédia. Esta é apenas uma frase magistral para forrar qualquer texto histórico. Marx não a repetiria hoje.Cada história tem seu próprio curso e desagua sempre num leito especial. OS FATOS E ACONTECIMENTOS É QUE DEVEM SER OBSERVADOS.
Para finalizar, o que eu não disse, mas pensei e escrevo agora, não foi organização que impôs ao povo russo a disciplina e o entendimento de que as coisas estavam mudando. Foram as armas. Assim foi também no caso de Cuba, de Fidel Castro; no caso do Chile de Pinochet e no caso da Espanha, de Franco. As armas é que falaram alto e impuseram a nova ordem. E com muito derramamento de sangue.
No caso da Rússia, o exército vermelho sob o comando de Trotsky, desorganizado , fuzilava sem controle e fazia jorrar sangue por todo o território russo. Sangue de resistentes ao seu comando. Sangue de bandoleiros. E sangue de opositores e inocentes. Trotsky só não matou mais que Stálin por que a história lhe foi breve. O único instrumento que organiza uma sociedade para a mudança, sem sangue, é o voto. No caso da Rússia czarista havia desorganização, apatia, fadiga política e vácuo de poder. No caso dos bolcheviques haviam rebeldes, desorganizados, com armas e determinação para matar e tomar o Poder. O resto a história conta. E assim ela pode se repetir. Mas não não como farsa.
O líder sim , pode surgir de repente . Mas o processo que o instala no Poder vem de longe. Se o exemplo próximo de nós não é suficiente leiam OS ROMANOV. A história da dinastia que reinou na Rússia de 1613 a 1918 está magistralmente descrita nessa obra. Com 905 páginas foi lançada pela editora Cia das Letras – e o autor é o inglês Simon Sebag Montefiore. Nas livrarias ou pela Internet. Denso, minucioso, informativo quanto a datas e acontecimentos, os fatos são narrados com precisão histórica e rigor literário. Sem a moda da biografia histórica romanceada. Esta, uma maneira de falsificar a realidade.
Montefiore é hoje, seguramente, o mais importante historiador contemporâneo. A seu favor, entre nós, já circula de sua autoria Stálin o Czar Vermelho, O Jovem Stálin e Jerusalém, uma Biografia. Todos lançados pela Cia das Letras. Agora Os Romanov. Todas essas obras, historiográficas, estão amplamente amparadas em extensas e profundas pesquisas que levam o leitor a mergulhos incomparáveis na história de nossa civilização do ponto de vista biográfico, político e social.
Esse respeitável professor de história ao escrever sobre a dinastia russa demonstra com clareza que o sistema político de uma nação se esfacela por fatores diversos ao longo de décadas. Ontem, como hoje, a incompetência, alianças espúrias para perpetuar o status-quo, interesses oligárquicos, burocracia asfixiante, situação econômica e miopia política vão cozinhando a realidade por décadas. Às vezes com sangue. Outras vezes por acontecimentos fortuitos. O aparecimento do voto veio para apaziguar e mudar esses status, sem derramamento de sangue. Mesmo assim, às vezes, nem o voto salva uma nação da tragédia. Vide a Venezuela. Até que um dia a casa cai. Lênin ainda não havia nascido e czares já eram mortos nas ruas de São Petersburgo.
A extensa biografia dos Romanov começa no Século XVI e termina no começo do Século XX tendo como último Imperador o Czar Nicolau II que abdicou pouco antes da revolução de outubro de 1917 em favor do seu filho Alexei. Ma a este coube apenas entregar as chaves da história russa para os revolucionários no seu breve período de governo. Em mais de 300 anos de reinado a família anexou ao Império o equivalente a 140 quilômetros de terras por dia. Um mergulho amplo e profundo na história da Rússia sem nenhum romanceamento. Apenas fatos. Se o leitor, por acaso, possuir informações sobre a formação do mundo a partir do século XV e particularmente da Europa a partir da Renascença, a leitura se tornará mais significativa.
No livro ficamos sabendo também que os Romanov foram poderosos não só pela Rússia. Foram também por seus laços familiares com a nobreza europeia. Membros da família sobreviveram à revolução de 1917 e ainda hoje existem descendentes. Personagens importantes da elite russa pré 1917 também sobreviveram aos expurgos do exército vermelho. Muitos dos profissionais militares foram incorporados às suas fileiras, outros ajudaram a montar o esteio econômico do novo regime e outros tantos fugiram. O livro é um mergulho profundo na história da Rússia e uma evidência de que o estilo czarista não morreu. Sobreviveu com Lênin e Stálin e muito da Rússia dos czares sobrevive sob as asas do governo Putin. Muita coisa é igual ou muito parecida.
Ao escrever este artigo pela primeira vez meu desejo era ater-me exclusivamente aos fatos do livro do Montefiore. Assim o fiz e cheguei a publica-lo, na primeira versão em alguns sites que colaboro. Pouco tempo depois eis que me encontro em Lisboa, Portugal, num restaurante, e dou de cara com uma respeitável e experiente jornalista que por muitos anos foi correspondente internacional do grupo Globo. Trabalhamos juntos.
Nos anos 70 do Século passado foi ela a responsável por me fazer interessado em política internacional numa conversa sobre a " distensão " entre Estados Unidos e China quando o Henry Kissinger despontava como o grande negociador do mundo da guerra fria no então governo Nixon. Naquela conversa ela despertou meu interesse por um sujeito chamado METTERNICH, um chanceler austríaco do Século XIX e que negociara as fronteiras de paz entre a Rússia czarista e diversos outros países, europeus, inclusive a Alemanha. Tratava-se de um nobre excêntrico, dono de um vigor intelectual invejável e altamente relacionado com a nobreza europeia de então. Suas negociações e seu tratado de paz fizeram história. Tanto é que veio a merecer uma notável biografia escrita por ninguém menos que o próprio Kissinger lançada no Brasil pela editora Record. Ao que tudo indica nele se inspirou e o fez seu ícone em suas negociações de paz e tarefas internacionais mundo a fora. Metternich também escreveu uma autobiografia: ( Metternich: The Autobiography, 1773-1815 ) não lançada no Brasil.
Essa narrativa se faz necessária pois o meu encontro com a destacada Jornalista foi rápido e fugaz na porta do restaurante lisboeta. Entre reminiscências e notícias de nosso presente a conversa resvalou para a situação política do Brasil atual. Ela, pessimista, como eu, arrematou dizendo que tinha esperanças, mas achava muito difícil. Contradisse com o argumento de que a taxa de natalidade na base da pirâmide social brasileira era cruel e estarrecedora. Além das quase tres milhões de crianças fora da escola, nascem no Brasil, por ano, o equivalente à população do Uruguai, cerca de tres milhões de pessoas. No topo da pirâmide social brasileira a taxa de natalidade é igual a da Noruega. Mas na base é igual à da Etiópia. E são crianças que crescerão sem escolas, sem saúde, sem saneamento básico, sem nada. O destino lhes reserva apenas a marginalidade.
Disse-lhe mais: que a nossa situação atual lembrava muito a da Rússia pré 1917, antes dos bolcheviques chegarem ao Poder. Ela duvidou com um “sei não, somos um povo muito desorganizado”. O encontro terminou aí. Nos despedimos. Não tive tempo de contradize-la. Aquela Rússia czarista, bolchevique, era muito mais desorganizada que o Brasil atual. Enquanto sua economia era a mais forte da Europa de então, seu sistema de governo estava exaurido. Nos últimos anos do reinado Czar Nicolau II a aristocracia tentou de tudo para salvar o regime, porém , tentando, sempre, manter seus privilégios tais como os nossos ” coronéis”. O esforço foi tamanho que culminou na abdicação do Czar Nicolau II em favor do seu filho Alexei. A desorganização era tamanha que não restou outra solução senão a renuncia do Czar Alexei e o consequente governo provisório chefiado pelo Kerensky. Ao mesmo tempo nada era mais desorganizado que as forças de oposição. O povo morria de fome ou por consequência da guerra civil instalada.
Enquanto mencheviques e bolcheviques não chegavam a um acordo o regime se esfacelava. Restou apenas aos mais espertos gritarem mais alto e assumirem o comando da nação. E por acaso Lênin estava no comando de uma grande turba que de organizada nada tinha. Eram tão desorganizados que o próprio Lênin chegou a ser assaltado nas ruas de Moscou, junto com sua mulher Krupskaya, e num carro oficial, logo nos seus primeiros dias de governo, conforme consta em sua biografia escrita pelo inglês, professor da Universidade de Oxford, Robert Service ( LÊNIN A BIOGRAFIA DEFINITIVA- 630 páginas) lançada no Brasil pela Editora Difel no ano de 2006. E ele se identificou dizendo quem era. Nada disso fez os ladrões desistirem de fazer a limpa. Mas o deixaram com vida.
A história não se repete. Nem como farsa nem como tragédia. Esta é apenas uma frase magistral para forrar qualquer texto histórico. Marx não a repetiria hoje.Cada história tem seu próprio curso e desagua sempre num leito especial. OS FATOS E ACONTECIMENTOS É QUE DEVEM SER OBSERVADOS.
Para finalizar, o que eu não disse, mas pensei e escrevo agora, não foi organização que impôs ao povo russo a disciplina e o entendimento de que as coisas estavam mudando. Foram as armas. Assim foi também no caso de Cuba, de Fidel Castro; no caso do Chile de Pinochet e no caso da Espanha, de Franco. As armas é que falaram alto e impuseram a nova ordem. E com muito derramamento de sangue.
No caso da Rússia, o exército vermelho sob o comando de Trotsky, desorganizado , fuzilava sem controle e fazia jorrar sangue por todo o território russo. Sangue de resistentes ao seu comando. Sangue de bandoleiros. E sangue de opositores e inocentes. Trotsky só não matou mais que Stálin por que a história lhe foi breve. O único instrumento que organiza uma sociedade para a mudança, sem sangue, é o voto. No caso da Rússia czarista havia desorganização, apatia, fadiga política e vácuo de poder. No caso dos bolcheviques haviam rebeldes, desorganizados, com armas e determinação para matar e tomar o Poder. O resto a história conta. E assim ela pode se repetir. Mas não não como farsa.
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