2 de maio de 2011

OS KENEDYS E OS BÓRGIAS

Duas séries de TV tomam conta da mídia nos Estados Unidos nesse ano de 2011. Uma, em doze capítulos foi ao ar e se transformou num fracasso de audiência. Retratou a história do clã Kennedy. Especialistas se desdobram para tentar identificar as causas da audiência com índices baixíssimos para uma história tão suculenta. Tudo indica que a produção errou na escolha dos roteiristas. Por enquanto é o que pode explicar o fracasso. Principalmente quando voltamos os olhos para a outra série em questão, a dos Bórgias. Quinhentos anos separam uma saga da outra, porém, ambas estão abastecidas de tudo que o grande público gosta, ainda mais na TV. Dinheiro, poder, glamour, aventura, assassinatos, mortes violentas e sacanagem. Aliás, muita sacanagem e putaria mesmo. A série dos Bórgias já estreou e é um sucesso de mídia de Londres a Nova York, de Roma a Hollywood, de Paris a Chicago. Todos os jornais e revistas trazem comentários. E tem como inspirador e consultor ninguém menos que Mário Puzo, o craque de O Poderoso Chefão e autor de uma biografia chamada OS BÓRGIAS (Editora Record-2004). Pode ser também que as épocas sejam barreiras, ou não, para uma boa história fazer sucesso na TV.

Enquanto a história do clã Kennedy começa no século XX, com o patriarca Joseph Kennedy em Nova York, a dos Bórgias tem início no começo do século XV com o papa espanhol Calisto III, tio do futuro papa Rodrigo Bórgia e pai de dois personagens, também, fascinantes, Lucrécia e César Bórgia. O velho Kennedy ensaia seus primeiros passos rumo à fortuna e ao poder na época da Lei Seca, em Nova York, nos anos vinte do século passado, no contrabando de bebidas. Tinha como sócio outro personagem, riquíssimo, de nome Harmand Hammer, cuja biografia foi lançada entre nós em 1989 (Editora Best Seller). Esse Hammer ganhou seu primeiro milhão junto com o velho Joseph Kennedy. Russo de origem, em 1920 se manda para a União Soviética, formado em medicina e com um milhão de dólares no bolso. Aproxima-se de Lênin, recém entronizado no comando político russo e necessitado de alimentos e manufaturados. Em troca disso o senhor Hammer desejava levar para os Estados Unidos peles e trigo. Pronto, estava feita a sociedade que durou toda uma vida. Daí o Hammer pulou para o petróleo e acabou dono da Occidental Petroleum e um dos homens mais ricos do mundo. Morreu aos 96 anos, na década de noventa, tranquilo. Enquanto isso o velho Joseph seguia seu caminho vendendo bebida alcoólica nas garrafas de ginger ale e enganando as autoridades. Fortuna feita pulou para o negócio do rádio. Conseguiu uma forma de escravizar o ouvinte do rádio para quem vendia o aparelho, a novidade da época, ao que era produzido pela sua companhia recém fundada. O que seria hoje uma produtora de conteúdo criou naquela época a RCA Victor. E daí conquistou o mundo. Entrou em Hollywood na produção e distribuição, passou a fabricar todo o tipo de equipamento para a indústria de entretenimento e estendeu seus tentáculos por inúmeros ramos empresariais nos Estados Unidos. Existem dezenas de livros narrando sua trajetória. Amante insaciável namorou quase todas as grandes estrelas do cinema da metade do século passado. Marido extremoso, casado com Rose Fitzgerald, tiveram nove filhos e um deles viria a se tornar presidente dos Estados Unidos da América, e ser assassinado no exercício do cargo. Era John Kennedy. Antes disso o velho Joseph já era o dono do poder. Financiou a campanha vitoriosa de Franklin Roosevelt, do partido democrata, para a presidência e em troca ganhou a indicação para embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra. Veio a Segunda Guerra e o velho tratou de escalar os filhos homens para as áreas de interesse do establishment americano. E dizia que os criava para a presidência. O mais velho, servindo na Segunda Guerra, acabou morto num desastre de avião no pacífico. O outro, John, assassinado em Dallas como presidente, outro, Robert Kennedy, ex-ministro da Justiça e senador, também assassinado em campanha para presidente na cidade de Los Angeles, e mais um, também senador, Ted Kennedy que se esborrachou no mar com uma secretária, num acidente e numa história até hoje não totalmente esclarecida regada a drogas e álcool. Tragédia é o que não falta nessa família. Esses três irmãos aqui citados tinham mais seis. E cada um deles, mesmo as mulheres, são personagens que valem livro. Isso sem levar em conta a terceira geração que como toda saga, trilha o mesmo caminho de tragédias, drogas, poder, glamour e mortes. Algumas violentas. Tem história de amantes tórridas, de casamentos faraônicos, deassassinatos misteriosos, de irmãos que dividiam as mesmas mulheres na cama e fora dela, de viciados em drogas e álcool, de grandes astros de cinema que os envolviam com as prostitutas e com a máfia e até o FBI. Não falta nada. Nem mesmo a adoração que a América teve por eles anos a fio. Convenhamos que seja uma história e tanto, ainda mais para a Televisão. Parece que os americanos se cansaram deles, nem na TV querem mais saber dos Kennedys. Logo a série estará aqui entre nós. No próximo saberemos um pouco mais sobre a outra série, OS BÓRGIAS.

A SEGUNDA GERAÇÃO DOS KENNEDYS
1) Joseph P. Kennedy, Jr. (1915 — 1944)
Morreu quando explodiu prematuramente o avião bombardeiro experimental que pilotava numa missão contra as rampas de lançamento de mísseis alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
2) John Fitzgerald Kennedy (1917 — 1963)
Eleito presidente dos Estados Unidos em 1960, morreu assassinado por disparos de carabina que o atingiram na cabeça durante um desfile automóvel em Dallas.
3) Rosemary Kennedy (1918 — 2005)
Nasceu com atraso mental, e foi-lhe feita uma lobotomia frontal, que em lugar de ajudá-la, a incapacitou ainda mais. Passou grande parte da sua vida numa instituição para pessoas com deficiências.
4) Kathleen Agnes Kennedy (1920 — 1948)
Morreu num acidente de aviação, quando o avião em que seguia chocou contra os Alpes franceses quando ia visitar o seu irmão John.
5) Eunice Mary Kennedy (1921 — 2009)
Faleceu em 11 de Agosto. Foi fundadora de Special Olympics, movimento desportivo que busca a integração das pessoas com deficiência mental.
6) Patrícia Kennedy (1924 — 2006)
Casada em 1954 com o ator Peter Lawford, de quem se separaria em 1966. Morreu aos 82 anos na sua casa de Nova Iorque.
7) Robert Francis Kennedy (1925 — 1968)
Morreu assassinado por vários disparos no hotel Ambassador de Los Angeles minutos depois de ganhar as eleições primárias da Califórnia.
8) Jean Ann Kennedy (1928 — )
Casou em 1956 com o empresário Stephen E. Smith, que faleceu em 1990, e foi nomeada em 1998 embaixadora na Irlanda pelo presidente Bill Clinton.
9) Edward Moore Kennedy (1932 —2009)
Eleito senador pelo Estado do Massachusetts em 1962, era o patriarca do Senado. Morreu vítima de um tumor cerebral.

F I N A L
OS KENNEDYS E OS BÓRGIAS
Por Aleluia, Hildeberto
Na realidade, a saga dos Bórgias que a TV americana já está exibindo se concentra na figura do papa Alexandre VI e bispo de Valência, hoje Espanha, chamado Rodrigo Bórgia. Apesar de chefe de um imenso clã, a história se sustenta no seu papado de 1492 até 1503, ano de sua morte, nos seus hábitos alimentares gulosos, sexuais, inclusive incestuosos, e seu imenso apetite pelo poder e pela riqueza. E mais especialmente em dois de seus muitos filhos: a belíssima Lucrécia Bórgia, que passou à história como uma grande devassa e devoradora de homens, e ele (em quem Maquiavel se inspirou para a sua obra principal, O PRÍNCIPE) o guerreiro, conquistador, estrategista e assassino César Bórgia. Adicione a essa trupe Leonardo da Vinci, o grande inventor e pintor renascentista, autor do quadro da MONA LISA. Encarcerado diversas vezes por sua inclinação para sodomizar jovens ajudantes, menores, a prisão jamais arrefeceu a sua imensa atração por garotos. Protegido dos Médicis, os senhores de Florença, ele sempre se safava. Nas horas de liberdade era o arquiteto e produtor das armas de guerra do valente exército de César. Mais Michelangelo o autor de David e das pinturas do teto da Capela Sistina, no Vaticano, e mais Maquiavel e Guicciardini, os dois grandes pensadores da época, e conselheiros de César. Nesse suculento cozido cabe uma porção de pimenta para arder o caldeirão inteiro: um bando de cardeais corruptos, inescrupulosos, cruéis assassinos, traidores e sedentos de poder e glória. Assim era Roma ou, mais precisamente, o Vaticano. Os Bórgias eram catalães oriundos da cidade de Xativa, Valência, hoje Espanha. Na época, um principado regido pelo rei Fernando de Aragão. Rico entreposto comercial, pujante e próspero. Roma odiava os Bórgias, como odiava qualquer papa que não fosse romano. Foi feito bispo de Valência em 1429 pelo papa Martinho V, e cardeal em 1443, quando aportou em Roma. Tinha uma excelente formação teológica e um trunfo poderoso. Além de muito dinheiro, foi sagrado cardeal em 1443 pelas mãos do tio Afonso de Bórgia, também cardeal catalão e depois papa Calisto III. Este foi papa de 1445 até sua morte, três anos após. Com ele e no reinado dele, Rodrigo Bórgia treinou e formou-se nas artimanhas para seguir o mesmo caminho do tio. E triunfou. Em 1446, Rodrigo Bórgia aporta em Roma com seus sete filhos naturais e mais alguns, bastardos, de suas muitas mulheres. Mas todos os cardeais e papas da época tinham filhos, naturais ou não. Jovem, muito jovem, paciente e habilidoso, ao longo de 40 anos, ocupou quase todos os cargos do Vaticano, foi inclusive chanceler. Desenvolveu relações e teceu o novelo que acabaria por colocá-lo, aos 61 anos de idade, notrono de Pedro. Dizem que comprou todo o cardinalato numa determinada noite daquele agosto de 1492, quando a eleição do pontífice, por várias vezes, terminou empatada. E no Vaticano reinava, além do papa, conspirações, assassinatos, envenenamentos, sodomias e traições. Valia tudo. Alguns historiadores registram a oferta de muito ouro e ducados. Eleito papa, escolheu o nome de Alexandre VI. Rodeou-se de valencianos e catalães para se defender dos conspiradores. Ungiu a família e por onze anos foi o senhor do mundo. E dos prazeres. Foi sob sua inspiração, inclusive, que nasceu o Tratado de Tordesilhas. Entre suas amantes, levadas para o Vaticano, estava a mãe de César, Vanozza Cattanei, Adriana de Milá Orsini, a bela esposa de um cardeal seu rival e tutora da Lucrécia, a nora Giulia Farnese e a própria filha Lucrécia, entre outras. É o que registra os muitos livros da época. Porém, o fato mais significativo de seu papado foi varrido da história e engolido por uma igreja que odiava os judeus. O Vaticano não tinha exército e a Itália de então era um amontoado de ducados, principados, algumas poucas “repúblicas” como Veneza e Florença, todos, reinos feudais. Estes senhores guerreavam o tempo todo em busca de riquezas. Em suas fronteiras políticas o Vaticano tinha de um lado a hoje Espanha, profundamente católica, principalmente o reinado de Aragão, na Catalunha e Isabel, de Castela. Do outro havia a França de Carlos VIII. Todos expansionistas e interessados em manterem sob seus jugos o Vaticano, através do papa da hora. Toda a Igreja praticava simonia, a venda de favores divinos em troca de dinheiro ou bens. Alexandre VI tinha o sonho e a vontade
confessa de se empenhar para transformar o jovem César Bórgia, seu filho legítimo e também cardeal de Valência, em seu sucessor ou um dia, papa. Desinteressado das coisas divinas, César foi treinado para lutar desde a universidade. Sua falta de apetite pela liturgia católica logo é percebida e ele trata de convencer o pai de que o Vaticano deveria ter seu próprio exército. Torna-se o comandante e vai à luta. E que luta. Nos onze anos do papado de Alexandre VI, a Igreja foi temida e respeitada. Mais temida. Roma já o odiava e tinha horror à língua que ele falava na corte e que ninguém entendia, o catalão, num lugar em que o latim era sagrado. Além disso, Alexandre VI precisando de dinheiro para financiar o exército de César, passa a acolher em Roma os judeus perseguidos pelos reis de Aragão e Castela, Fernando e Isabel. Nos bastidores ganha o apelido de marrano. Esses judeus eram advogados, médicos, astrólogos e outros profissionais de ponta.
Não satisfeito com isso, ajudou a disseminar em Roma uma grande simpatia pela cabala. Com onze anos de papado até que ele durou muito diante desse histórico.A oposição não ignorava nada que lhe dizia respeito. Temiam César, sifilítico, que gostava de usar uma máscara preta para esconder a doença em seu rosto, sanguinário e eficiente. Garantia o respeito ao pai e os dois usavam a beleza e o corpo da filha e irmã para seus prazeres pessoais e para as alianças com os príncipes das casas européias que lhes interessavam. Quando não mais necessitavam das alianças políticas, os maridos de Lucrécia Bórgia desapareciam assassinados. Dizem que era César quem nas madrugadas frias cuidava desses misteriosos sumiços. Lucrécia acabou morrendo de morte natural enfurnada no palácio do seu último marido, Afonso d’Este, um príncipe de Ferrara, com seus vários filhos. Com a beleza de Lucrécia, o exército de César e todo o cardinalato na mão, Alexandre VI reinava, apesar das contestações. Mas as conspirações não paravam. Durante seu papado, um dos filhos morreu envenenado e César era caçado e emboscado todo o tempo. Sob a discreta inspiração e estímulo das coroas de Espanha e França, prosperou em Florença um movimento político de caráter religioso comandado pelo frei Girolamo Savonarola, um dominicano. Arrebatando multidões e com um discurso fundamentalista, pregava a purificação do corpo. Denunciava sem temores toda a orgia reinante no Vaticano. Dizia que o papa proibia as relações sexuais para as mulheres da corte com seus maridos enquanto ele se fartava delas nos seus aposentos santos. E suplicava aos céus o castigo da morte para aquela horda de pecadores na casa de Deus na terra. Estimulava os fiéis a atiçarem nas fogueiras, nas praças, vestes e utensílios que ele condenava. E abstinência sexual também. Com isso ganhou o poder e expulsou de Florença a lendária família Médici. Savonarola virou Rei de Florença. E haja fogueira. Quase tudo ardia em praça pública. Rodrigo Bórgia sabia que o próximo a arder na fogueira era ele, e com o incentivo de Carlos VIII, Fernando e Isabel.
Tratou de despachar para Florença seus cardeais, também saguinários. Estes retomam o poder para os locais e levam Savonarola à cadeia. Os principais assessores do papa comandam essa insurreição que termina em prisão, tortura e queima do frei na fogueira. Ao final, invocam Deus e proclamam que ele, Savonarola, tinha mais de Santo que de Pecador. Tamanho poder e glória não passariam incólumes. Num belo dia de 1503, os Bórgias se fartavam de comida e vinho quando o papa e seu filho César Bórgia começam a passar mal. Alexandre VI não resistiu às doses de veneno. Foi tão alta a dosagem que seu corpo logo começou a inchar e não havia em Roma um ataúde que o coubesse. Dias depois, vários homens tiveram que sentar sobre seu cadáver, putrefato, para que entrasse no caixão. Enterrado às pressas e sem pompa deixou descendentes por mais de cem anos, em Valência e Roma. Precavido, após a morte do pai, César se refugia no reino de Navarra onde um seu cunhado de nome Jean D’Albret reinava. De lá ele ainda consegue articular a sucessão papal e com sua ajuda o italiano cardeal Piccolomini é eleito papa Pio III. Dura só um mês o seu papado. Morto Piccolomini, dizem que envenenado, de novo César se articula e ajuda a eleger o principal inimigo do pai, parente de uma das suas amantes, o italiano cardeal Giuliano della Rovere, papa Julio II, aliado incondicional do rei Carlos VIII, da França. Em Navarra, num palácio feudal, César se recuperava do envenenamento diante do que parecia ser uma acolhida familiar. Pediu ao cunhado uma guarda de dezoito homens para voltar ao campo de batalha. Foi o exato número de furos contados no seu corpo na sua primeira saída. Furos de espadas e punhais. E virou lenda. César Bórgia possui um mausoléu na estrada que vai de Xantia a Navarra. Bem no meio. Porque, diziam seus inimigos, assim seria pisado eternamente. Outros dizem que em 1507 seus restos mortais foram sepultados na Igreja de Santa Maria, em Navarra. Anos depois o bispo de Calahorra mandou sepultá-lo no meio da rua Mayor, onde “para que en pago de sus culpas le pisotearam los hombres e las bestias”. Durante a Guerra Civil Espanhola, destroçaram um mausoléu que ficava na porta da Câmara Municipal onde também diziam estar seus restos mortais. Em 1953, César volta à Igreja de Santa Maria onde hoje, na porta, há uma lápide de mármore que assinala onde ele jaz, o comandante César Bórgia, filho do papa Alexandre VI, irmão de Lucrécia e senhor da Itália. A série está no ar, nos Estados Unidos, e faz um grande sucesso.
Aleluia, Hildeberto é jornalista.

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