9 de novembro de 2012

UMA LEI PARA A INTERNET NO BRASIL (VI)

É ambíguo, para não dizer incoerente, querer preservar a neutralidade da Net como veículo de comunicação sem exigir, sem criar parâmetros e obrigações para provedores e sites e nem cercear nem punir os infratores que usam essa “neutralidade” para agredir, enxovalhar, mentir, caluniar, roubar, enganar e divertir-se com a honra alheia. Essa permissividade terá uma única consequência prática: quem tem poder e dinheiro poderá corrigir os fatos e reparar a verdade, quem não tiver, permanecerá enxovalhado, roubado, agredido e vilipendiado para sempre na rede.

No Congresso Nacional, em Brasília, colhe-se a informação de que o projeto chamado de Marco Civil para a Internet, na realidade, foi gestado na Casa Civil da Presidência da República onde existe um grupo de trabalho cuidando do assunto e monitorando a tramitação dele na Câmara dos Deputados onde é relatado pelo Deputado Federal Alessandro Molon, do PT do Rio de Janeiro. Este grupo de trabalho é formado por jovens executivos contratados pelo governo e em sua grande maioria oriundos do mercado e ex-empregados de empresas ponto com. Daí que o projeto vem circulando, mantendo e acolhendo argumentos para preservarem as coisas tal como estão: impunidade na rede para os provedores e sites. Nenhuma obrigação de monitoramento nos seus negócios e nenhum dado que identifique onde estão instalados sites de compras ou de vendas, além de um simples e-mail.

Continua faltando lá, regras claras, principalmente aquelas que possibilitariam à autoridade investigativa, no curso processual, conclusões frente à ação de crimes. Assim como deveria estar explícito na Lei o comportamento da agência reguladora responsável pelo setor diante de uma simples queixa, fundamentada e com provas. A Câmara dos Deputados e a Casa Civil da Presidência da República estão trabalhando juntas para proteger a rede e não o cidadão. Usam o manto da liberdade de expressão que ,nesse caso, nada tem a ver com o direito de liberdade de expressão consagrado na Constituição Federal. O sagrado direito à liberdade não pode assegurar impunidade para bandoleiros.

Os exemplos são muitos. Mas vou ficar mesmo na minha área profissional, a de Comunicação.

Dois dos mais importantes jornalistas do país, ambos pautados por um jornalismo independente e investigativo e francamente crítico aos desmandos dos governos , foram vítimas desses algozes eletrônicos. Primeiro foi o jornalista da revista Veja, Augusto Nunes ( veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes ) .

Os insultos, agressões, ameaças e vitupérios foram tantos que, além das providências jurídicas, ele publicou em sua coluna eletrônica as ameças que vinha recebendo. Segundo o site Comunique-se, em publicação de 02 de agosto de 2012, Nunes descobriu a identidade do autor que se escondia sob a alcunha de “ Kako Lamim”. Na realidade, descobriu tratar-se do cidadão Clayton Mendonça de Oliveira, gerente de divisão da estatal do setor elétrico Furnas S/A.

Disse mais o Comunique-se: “o internauta Mendonça de Oliveira será questionado na justiça sobre o que escreveu e que a direção da empresa Furnas também seria convidada a prestar esclarecimentos, já que durante o horário de expediente, o funcionário utilizava equipamentos da companhia para endereçar ameaças a jornalistas que discordam do governo e do PT. O autor dos comentários revelou, voluntariamente, que é parente do ex-Chefe da Casa Civil do governo Lula e recentemente condenado pelo Supremo Tribunal Federal , STF, por uma série de crimes, o ex-deputado Federal pelo PT de São Paulo e ex-presidente do partido José Dirceu” .

O Comunique-se, um site dedicado à comunicação, reproduziu , na mesma edição, os comentários do senhor Reynaldo Rocha, advogado com sólida formação jurídica, que este teria feito no site do jornalista Augusto Nunes: 

“A situação será resolvida judicialmente. A direção de Furnas terá de manifestar-se. É o que esperam, ao menos, os acionistas minoritários, que não fazem parte do governo nem admitem que uma estatal seja usada como quintal do PT e apaniguados. No caso, por envolver um primo que se orgulha dos laços de sangue, reforça o que sempre se disse de José Dirceu. Esse tipo de “ajuda prestada pelo gerente de divisão de Furnas ao parente em perigo confirma até onde vai a barbárie ética e moral e o menosprezo ao estado do direito,” disse o advogado.

Mas existe outro caso com sinais claros e evidentes de violação da honra do jornalista. É o caso do também respeitado jornalista José Neumanne Pinto, editorialista do grupo O Estado de São Paulo e comentarista político do SBT e da Rádio Jovem Pan, em São Paulo, e autor do livro “O que sei de Lula”, (Editora Topbooks-2011 www.topbooks.com.br ). Em depoimento tomado por e-mail, Neumanne declarou: “sofri dois tipos de violência na internet: um cara comenta frequentemente vídeos que posto no Youtube dizendo que estuprei uma menina de 9 anos e fui condenado pela justiça em Campinas, interior de São Paulo, e o Google, proprietário do Youtube se negou sistematicamente a identificar o caluniador e a retirar a calúnia do ar apelando para a liberdade de expressão.

-O outro ataque veio no Facebook. Um “ amigo” , Nelson Henrique Habibe, militante do PT em São Paulo, capital, criou uma página falsa intitulada FORA JOSÉ NEUMANNE PINTO. Ele se identificou pessoalmente em mensagem endereçada a mim, dizendo-me que se posso falar mal do Lula, ele também pode falar mal de mim. Denunciei-o à delegacia dos crimes eletrônicos que existe em São Paulo e ele foi obrigado a retirar a página do ar. Apesar de informado, o Facebook nada fez. E continua a existir página falsa contra mim no face.”

Neumanne chama esses ataques de infâmia como “ ilegítima defesa ” . Convocado para audiência pública sobre violência contra jornalistas independentes e investigativos na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, ele apelou aos participantes da sessão realizada em 03 de julho de 2012 que seus membros elaborassem leis rigorosas contra jornalistas irresponsáveis que veiculem informações falsas e opiniões sem propósito como forma de compensar a falta de uma Lei de Imprensa.

Na mesma linha, o jornalista lembrou o Marco Civil para a Internet e na mesma sessão pediu aos parlamentares para encontrarem uma forma legal de punir caluniadores que usam a rede mundial dos computadores em sites, portais e redes sociais para veicularem informações falsas e anônimas. 

No caso dos mortais, isso acontece porque acreditam na difusão de que estão anônimos na rede. No caso dos informados e a serviço de causas e partidos é porque confiam na impunidade, pois sabem que não há uma Lei específica para a punição dos crimes de internet. No caso dos mandantes é a mesma crença dos operadores que os deixam à vontade. E nos casos em que a Justiça tem se manifestado em processos caros, longos e dolorosos, as penas têm sido pecuniárias, normalmente atingindo o Provedor e os muitos crackers ou bandidos virtuais permanecem impunes. Mesmo em casos com fartura de provas, como nesses dos dois jornalistas.

O certo é que a ausência de uma legislação específica vai gerando confusão e jurisprudência conflituosa. Em junho de 2011, o Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) deu provimento a um recurso do Google contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que o obrigava a deixar de publicar fotos e filmes eróticos, além de sugestões de pedofilia da atriz, apresentadora e celebridade Xuxa Meneguel. O Tribunal reconheceu na época que o provedor de internet não poderia ser culpado e punido por material que não produziu e nem fiscaliza, apenas faz circular.

Mas um pouco antes dessa decisão, a Terceira Turma do STJ manteve uma condenação ao Orkut, pertencente ao Google, por haver mantido no ar ofensas feitas por um blogueiro ao diretor de uma faculdade no Estado de Minas Gerais. Essa Turma deu vinte e quatro horas para o material ser retirado do ar, sob pena de responsabilidades judiciais. E assim foi feito.

Enquanto não houver uma Lei específica, a liberdade de expressão estará no mesmo barco da calúnia, da difamação e da covardia.