3 de outubro de 2017

RIO: DE JANEIRO A JANEIRO

A cidade do Rio de Janeiro é o melhor exemplo que conheço, porque vivo, de como uma cidade se degrada. Por mais de cinquenta anos assisto, dolorosamente, seu esfacelamento e sua deterioração. E o que é pior: com a estrita colaboração do poder publico. A cidade é agredida de todo lado. Já ouvi de um carioca:

   fazem de tudo para acabar com o Rio de Janeiro. Mas a cidade resiste.

E como resiste. Vai longe o ano de 1982 quando participei de uma campanha política para prefeito da cidade. Os principais candidatos eram o ex-deputado federal Rubem Medina, então no PFL (Partido da Frente Liberal- PFL) e o ex-senador Saturnino Braga pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista- PDT) do então governador Leonel Brizola. Eu estava na campanha do primeiro. Rubem Medina não era, na época, uma das estrelas do Congresso Nacional. Mas sempre chegou lá com votações retumbantes, expressivas. Tinha a seu favor a história de amor pelo Rio herdada de seu pai (Abram Medina um empresário que encarnou como ninguém o espirito aberto, acolhedor, alegre e liberal do carioca. De sua iniciativa nasceram grandes eventos que o consagraria como o grande empreendedor do então Estado da Guanabara) e encarnada hoje por seu outro filho, o Roberto Medina. Esse mesmo do Rock in Rio, cuja história merece um livro.

Roberto Medina era o chefe da campanha. Detalhista, arrojado, cuidadoso e transformador. Dirigia a Artplan, outro capítulo da história de amor pelo Rio da família Medina. O Roberto debruçou-se sobre o orçamento municipal por dias e dias. Dali nasceu um plano de campanha invejável e exequível sem ajuda de terceiros.

Lembro, entre outras iniciativas a previsão de um posto de saúde em cada bairro. Um deslumbrante planejamento urbano e iniciativas modernas na área de educação, na área de lazer, de limpeza urbana, de saneamento e habitação junto a um calendário de iniciativas turísticas articuladas com o que melhor possuíamos para gerar empregos e renda durante todo o ano. Era algo novo e criativo. Deslanchamos a campanha com o Rubem Medina na dianteira das pesquisas. Até que....

O adversário tinha o velho discurso ideológico da esquerda carioca e apresentava nos debates um programa populista de apoio à pobreza e redenção da miséria. Com o orçamento publico. Não detalhava nada. Mas acenava como um messias, salvador, chegando nos morros com uma tábua salvadora. Habitação para todos sem detalhar como e quanto custaria. E teve mais: o apoio incondicional do governador Leonel Brizola. Como decolava nas pesquisas e o adversário não o alcançava nos debates e ideias inovadoras, Brizola, uma raposa política habilidosa e criativa entrou na campanha como se fora ele o candidato a prefeito. Destruiu o Rubem Medina em dias.

 Mesmo com a verve do candidato a vice-prefeito, o inigualável jornalista Sebastião Nery, oriundo das hostes brizolistas, a campanha do Rubem Medina não se sustentou. Saturnino Braga seria o eleito com uma vitória retumbante. Tinha como como seu vice o Jô Resende um agitador de ruas focado no Sistema Financeiro da Habitação, SFH, o sistema de então que financiava habitações para a classe média. Anos depois foi tragado num escândalo. Um desses que assola a política brasileira, e desapareceu para nunca mais.

Derrotados e desiludidos com a escolha do carioca (Saturnino Braga é oriundo de Niterói e fez carreira política no antigo Estado do Rio de Janeiro sob as bênçãos do ex-senador Amaral Peixoto) a equipe de campanha se dissolveu e cada um seguiu seu rumo. Depois do Carlos Lacerda foi a primeira grande chance que o Rio de Janeiro teve de uma administração coerente com a história da cidade. A vitória do Saturnino Braga sepultou uma plataforma de onde se originaria um futuro pujante para a Cidade Maravilhosa. No meu ultimo encontro com os irmãos Medina, juntos, cunhei uma frase feita de mal gosto. Disse aos dois:

   o Rio de Janeiro vai chorar lágrimas de sangue com a vitória do Saturnino.

Me olharam espantados. Eu parti e nunca mais os vi. Saturnino Braga não terminou sua gestão. Renunciou antes do final do mandato por incompetência e toda sorte de desmandos, falcatruas e má administração. A imagem do seu governo que ficou foi a do lixo acumulado nas ruas fétidas que sua administração produzia.

 Rubem Medina, acostumado a eleições com votações expressivas para a Câmara Federal nunca mais repetiu esse feito. Muitos anos depois foi Secretário de Turismo de um dos governos Cesar Maia. Mas os tempos eram outros. A cidade era outra. E ele já não tinha o brilho de outrora. Se retirou da política com uma votação pífia em sua despedida.


            Mas seu irmão, o Roberto Medina continua na ativa. Hoje é o homem em quem milhões de cariocas e brasileiros veem com orgulho. Entre outras grandes realizações é o homem do Rock in Rio. Nunca desistiu da cidade. Quem desistiu da cidade foi seus próprios moradores. Anos depois os mesmos eleitores cariocas, junto aos da baixada fluminense, premiaram com outra vitória retumbante o mesmo Saturnino Braga, com um mandato de Senador pelo mesmo PDT do Estado. Vai entender essa gente.

E de lá para cá a cidade nunca mais foi a mesma. As lágrimas de sangue escorrem por sua pobreza, pelas ruelas de suas favelas, pelos caminhos de milhões de crianças sem futuro e pelo grito de dor das vítimas de balas perdidas. E das balas certeiras dos assaltos. Esta semente desastrada de um Estado caótico governado por um tipo de gente enganadora foi plantada por Saturnino Braga e Leonel Brizola. E vingou. Nas águas desse Rio de Janeiro corre muitas outras histórias dolorosas. Sua gente se ilude ou é enganada a cada eleição.  
   



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